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Trabalhos e Pesquisas

Os autores relatam o caso de um paciente com artropatia ocronótica. A ocronose é uma doença rara, de herança autossômica recessiva, manifestação clínica da alcaptonúria. O paciente apresenta clinicamente dor crônica lombar, fraqueza e limitação funcional dos ombros e joelhos, associada a urina de cor escura. O objetivo do tratamento ortopédico é o controle da dor e melhora das funções das articulações acometidas, realizando cirurgias quando necessário.

Dr.Fabiano Rebouças

Resumo

Os autores relatam o caso de um paciente com artropatia ocronótica. A ocronose é uma doença rara, de herança autossômica recessiva, manifestação clínica da alcaptonúria. O paciente apresenta clinicamente dor crônica lombar, fraqueza e limitação funcional dos ombros e joelhos, associada a urina de cor escura. O objetivo do tratamento ortopédico é o controle da dor e melhora das funções das articulações acometidas, realizando cirurgias quando necessário.

Unitermos – Ocronose; alcaptonúria; relato de caso

Introdução

A alcaptonúria é uma doença autossômica recessiva rara, decorrente da deficiência da enzima ácido homogentísico –oxidase, produzida pelo fígado e rins, que está envolvida no metabolismo de dois aminoácidos: fenilalanina e tirosina(1e2) .
Esquema do metabolismo dos aminoácidos fenilalanina e tirosina com e sem a presença da enzima ácido homogentísico – oxidase.

A alcaptonúria pode ser assintomática ou dar origem à ocronose, que é caracterizada pelo acúmulo de um polímero do ácido homogentísico sob a forma de um pigmento de coloração ocre, a alcaptona, nos tecidos orgânicos(2e3). Aproximadamente metade dos pacientes com alcaptonúria desenvolvem a ocronose e iniciam sintomas na vida adulta, após a quarta década de vida(3e4) .
As manifestações clínicas mais importantes da ocronose são: artropatia, pigmentação ocular e cutânea, urina escura e acometimento cardiovascular. O diagnóstico é clínico, confirmado pela presença do ácido homogentísico na urina (aproximadamente 5g/24hs).
Neste relato, apresentamos um paciente com artropatia ocronótica, com o objetivo de lembrar de uma patologia rara, mas com sintomatologia ortopédica importante na vida adulta.

Relato de caso
Paciente VV, do sexo masculino, de cor branca, com 55 anos de idade, natural e procedente de São Paulo, chegou ao Ambulatório de Ortopedia do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo, apresentando quadro de dor crônica na coluna lombar, ombros, sendo o mais acometido o esquerdo, e joelhos. Referia que as dores estavam piorando progressivamente associada a fraqueza e limitação funcional articular, sem relação com traumas ou esforços. Referia urina de cor escurecida desde que nasceu.
Ao exame físico observou-se manchas escuras na esclera ocular (figura 1), no pavilhão auricular externo (figura 2) e nas mãos (figura 3). A coluna vertebral apresentava-se com retificação da lordose lombar, dor à palpação das apófises espinhosas lombares, e limitação dos movimentos de flexo-extensão do tronco. Nos ombros observou-se limitação da amplitude ativa e passiva dos movimentos: ombro direito com elevação de 160o, abdução de 70o , rotação externa de 20o e rotação interna nível lombar-L1. No ombro esquerdo identificamos elevação de 150o, abdução de 80o, rotação externa de 10o e rotação interna nível lombar-L1.
Nos joelhos observou-se discreta atrofia do músculo quadríceps, sem derrame articular, sem desvio angular, com discreta limitação ativa e passiva da amplitude dos movimentos: joelho direito com extensão de 0o e flexão de 130o; e joelho esquerdo com extensão de 0o e flexão de 120o.
Iniciou-se a investigação diagnóstica com radiografias simples da coluna tóraco-lombar, joelhos e ombros, que mostraram: 1) na coluna vertebral: diminuição dos espaços intervertebrais, esclerose óssea, osteofitose discreta e calcificações dos discos intervertebrais principalmente da coluna lombar (figura 4); 2) nos ombros constatamos diminuição do espaço articular glenoumeral com artrose, sem osteófitos (figura 5); 3) nos joelhos registramos artrose tricompartimental bilateral, sem deformidade angular, com osteofitose (figura 6).
Os exames laboratoriais mostraram : hemograma com hemoglobina de 14,2/mm3; hematócrito de 41,5; leucócitos de 8470/mm3; plaquetas de 340.000/mm3 e VHS de 21 mm3/h. Função renal e urina Tipo I normais (exceto pela coloração escura). A pesquisa do ácido homogentísico na urina foi positiva.
A biópsia da pele mostrou presença de pigmento enegrecido, identificado como alcaptona, compatível com o diagnóstico de ocronose.
O paciente foi submetido à cirurgia de artroplastia total do ombro esquerdo, pelo grupo de cirurgia do ombro e cotovelo do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo, com achado intra-operatório de artrose glenoumeral acompanhado de uma mancha negra circundando a cabeça umeral (figura 7), e manchas negras salpicadas na glenóide.

Discussão
A incidência da artropatia ocronótica na população varia de 1: 43.000.000 a 1:10.000.000, com predominância no sexo masculino na proporção de 2:1 e sem predominância étnica(4e5) . Até hoje, no Brasil, foram descritos 30 casos de alcaptonúria, sendo o primeiro relato de Ulhôa Cintra , em 1933 (4).
A ocronose articular é uma das formas da manifestação clínica da doença e ocorre em cerca da metade dos pacientes com alcaptonúria após a quarta década de vida(3e4). A demora do aparecimento da ocronose, já que o paciente tem a alcaptonúria desde o nascimento, é explicada pela queda progressiva da excreção urinária do ácido homogentísico, e conseqüente concentração no plasma e impregnação nos tecidos(5). O pigmento ocronótico (alcaptona) na cartilagem articular pode levar a uma fragilidade e fragmentação da cartilagem, causando uma sinovite inespecífica(2).
O diagnóstico diferencial da alcaptonúria deve ser feito com todas as doenças que deixam a urina escura, como por exemplo: hemoglobinúria, porfiria, mioglobinúria e melaninúria. A artropatia ocronótica deve ser diferenciada da osteoartrose, da doença de Paget, da artrite reumatóide, da tuberculose e da espondilite anquilosante (1e5).
A suspeita diagnóstica de alcaptonúria deve ser feita em pacientes com urina escura, alterações dermatológicas (escurecimento das orelhas e mãos, manchas na esclera ocular), e dores articulares (coluna, ombros, joelhos e quadris ). O diagnóstico é confirmado pelo achado do ácido homogentísico na urina.
O quadro clínico da artropatia ocronótica caracteriza-se por sintomas dolorosos inicialmente na coluna vertebral e acometimento posterior das articulações periféricas, com maior incidência nos joelhos, ombros e quadris, sendo raramente acometido os cotovelos, tornozelos e punhos. Sua evolução clínica é lenta e progressiva, com incapacitação pela artrose. Os homens afetados, geralmente apresentam mais sintomas que as mulheres, provavelmente pelas suas atividades físicas(5).
Nos exames radiográficos podemos encontrar na coluna vertebral poucos sinais de osteofitose e acentuada calcificação dos discos intervertebrais, principalmente na coluna lombar. Nas articulações periféricas as radiografias se caracterizam por diminuição dos espaços articulares, esclerose do osso subcondral e osteofitose discreta ou ausente. Geralmente, o severo acometimento articular observado nas radiografias, não é compatível com o quadro clínico e idade do paciente ( 5 ) .
Quanto ao acometimento cardiovascular da ocronose, temos maior incidência no endocárdio, túnica íntima da aorta e valvas cardíacas. Contudo, não há relação entre o grau de pigmentação destas estruturas com os sintomas apresentados pelo paciente (3e4).
A ocronose genito-urinária caracteriza-se por urina escurecida presente desde o nascimento, muitas vezes sem qualquer outro sintoma associado. Podemos ter ainda aumento da incidência de litíase renal e pigmentação da próstata por alcaptona em pacientes masculinos após a quinta década de vida(4e5 ) .
O acometimento da pele e mucosas se dá em ordem de freqüência, inicialmente nos lobos das orelhas, esclerótica dos olhos e, então, nas mãos, como relatado pelo nosso paciente( 4 ).
Outras doenças podem estar associadas com a alcaptonúria: gota, osteoporose, diabetes mellitus, rins policísticos, espondilite anquilosante, doença de Addison e pseudogota(4).
A alcaptonúria não altera a sobrevida do paciente, apesar de muitas vezes, o quadro clínico da ocronose articular ser extremamente incapacitante(3,4e5).
O tratamento ortopédico consiste em acompanhamento ambulatorial do paciente com tratamento sintomático das articulações acometidas pela ocronose articular com analgésicos e fisioterapia. Quando não tivermos melhora com o tratamento conservador poderão ser realizadas artroplastias de substituição, osteotomias ou artrodeses (1).

Referências Bibliográficas

1-Camargo P.A.O., Castro D.F., Romero L.V.: Artropatia Ocronótica: considerações sobre um caso. Rev Bras Ortop 12:43-47, 1977.
2-Lima A.C.R., Navarro M.L., Provenza J.R., Bonfiglioli R.: Artropatia ocronótica: relato de caso. Rev Bras Reumatol 40:213-216, 2000.
3-Freitas G.G., Cavalcanti F.S., Lopes E.R.: Artropatia ocronótica: atualização do relato de um caso com evolução de 13 anos. Rev Bras Reumatol 30:27-30, 1990.
4-Gamarski J.: Alcaptonúria e ocronose. Rev Bras Reumatol 22:22-30, 1982.
5-Hamdi N., Cooke T.D.V., Hassan B.: Ochronotic arthropathy: case report and review of the literature. Int Orthop 23:122-125, 1999.

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